O princípio ativo de medicamentos normalmente usados contra depressão foi capaz de reverter parte dos sintomas do autismo em camundongos que sofrem de uma forma do problema similar à que existe em seres humanos. Os resultados sugerem que ao menos parte das pessoas dentro do chamado espectro autista poderia se beneficiar do uso de antidepressivos, embora mais estudos sejam necessários para confirmar a viabilidade da ideia. Conduzidos pelo médico Toru Takumi e seus colegas do Instituto Riken de Ciência do Cérebro, no Japão, os experimentos envolveram um conjunto de roedores geneticamente modificados cujas alterações no DNA imitam as que estão associadas ao surgimento do autismo em pessoas. As causas e as manifestações desse problema em seres humanos são complexas e multifacetadas, com diferentes níveis de gravidade. Mas há muitos indícios ligando até 20% dos casos a alterações genéticas de grande escala. Uma delas, induzida pelos cientistas japoneses no genoma dos camundongos, envolve a duplicação de um trecho de mais de 6 milhões de pares de "letras" do DNA, que o indivíduo herda do lado do pai. Os bichos que carregam essa duplicação equivalente à humana apresentam alguns dos sintomas comuns entre pessoas do espectro autista: dificuldades de comunicação e de interação social, comportamento pouco flexível e anomalias no funcionamento cerebral. Boa parte desses problemas parece estar ligada a deficiências na ação da serotonina, um dos principais neurotransmissores (mensageiros químicos do cérebro). "O que não se sabia até agora era o impacto funcional dessa deficiência de serotonina, e o fato de que é possível reverter essas anormalidades comportamentais por esse caminho", afirma Takumi. Ao estudar os bichos, o grupo japonês verificou que a falta de serotonina diminui a capacidade de manter sob controle certos neurônios, como os que recebem os estímulos vindos das vibrissas (os "bigodes") dos camundongos. A área cerebral estimulada por um toque numa das vibrissas era bem maior nos roedores geneticamente alterados do que nos normais, e seus neurônios tendiam a ficar mais ativos do que o esperado. Veio então o tratamento com fluoxetina, princípio ativo de antidepressivos como o Prozac. Tudo indica que a fluoxetina e outras drogas do tipo agem aumentando a quantidade de serotonina disponível para a transmissão de mensagens entre um neurônio e outro, o que normalizaria esse elemento do funcionamento cerebral dos bichos.
Foi o que ocorreu, de fato, ao menos no que diz respeito ao comportamento social dos camundongos. Quando filhotes, eles deixaram de ficar emitindo chamados o tempo todo, um indício de ansiedade excessiva. Também passaram a interagir de forma mais normal com camundongos desconhecidos, o que não acontecia com as cobaias que não passaram pelo tratamento. "O grande pulo-do-gato é saber quais indivíduos poderiam se beneficiar disso", analisa o pesquisador brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, que estuda a biologia do autismo e comentou o estudo a pedido da Folha. "Vai ser interessante ver se o que eles viram nos camundongos vai se repetir num ensaio clínico [com seres humanos]." Para Muotri, tem ficado cada vez mais claro que terapias com potencial para reverter sintomas do autismo, mesmo em cérebros adultos, são possíveis, desde que os especialistas sigam as pistas genéticas sobre a origem do problema em cada pessoa. "Será difícil encontrar uma única droga que sirva para todos. O mais provável é que tenhamos medicamentos que atuem em vias especificadas, daí a importância de um exame genético acompanhando o diagnóstico clínico. No futuro próximo isso vai acontecer para todo mundo, basta o custo do sequenciamento ["leitura" do genoma] baixar." Com informações da Folhapress.
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